sexta-feira, 10 de abril de 2009

A vida é assim mesmo

Dona Firmina já não agüentava tanto barulho e algazarra. E com razão. Em uma casa pequena, ela, sozinha, tomava de conta das cinco crianças que o destino lhe dera, desde o dia em que o marido saiu para comprar cigarros e não mais voltara. Apesar de tudo, ela gostava dos filhos. Gostava do Zezinho (José Filho), da Maria, do Antonio, do Pedro e do João (para completar o time dos santos). E nutria esperanças de um futurinho modesto para cada um deles. Como dizia: Deus a de dar a quem não tem meus filhos...
O mais aplicado dos meninos era ao Zezinho. Trabalhava de manhã na lojinha do seu Abreu e estudava na escolinha do Bairro. Fazia o sétimo ano do primário, o que a mãe se orgulhava para os vizinhos. Já o Antonio e o Pedro não serviram para as letras, e saiam com dona Firmina cedo da manhã para vender na feira os arrumadinhos de arroz, farofa e vatapá.
Maria era coroinha e também estava na escola. Quando a mãe perguntava o que ia ser quando ela crescer, respondia sem demora: Quero ser médica mamãe, igual á moça da novela. “Eita menina levada”, respondia a outra, e depois pedia: Mariazinha, minha filha, vai lavar a louça pra mamãe vai.
O caçula da casa era o João. Era, ainda, de colo. E os outros ajudavam dona Firmina, igualmente, nos cuidados com o pequeno. Enquanto aquela estava fora, os de casa davam banho, comida e cantavam até o outro dormir. E a vida era assim mesmo, sem muita novidade, sem muita coisa pra fazer, a não ser pela labuta do dia-a-dia que tanto suor arranca do rosto de dona Firmina. Esta nunca teve muita coisa na vida mesmo, não que tenha se conformado com isso. Não, pelo contrário. Lutava dia e noite pelo pão na mesa, e ainda tinha tempo de ensinar às crianças as lições da vida. “Não pegue nada que não for seu”; “Não diga palavrão, menino. Isso é falta de educação”; “Maria, minha filha, tome cuidado com a vida, as mulheres sempre sofrem mais”; “Zezinho querido, respeite os mais velhos”; e toda noite de meu deus cumpria seu voto de fidelidade com a fé, única força que não dependia de recursos materiais. Ajoelhada no canto da cama, com a mão estendida sobre as cabeças das crianças, ela pedia proteção contra o mundo, contra as maldades da vida, e que os filhos, um dia, tivessem a vida que ela nunca teve.
Certa madruga do mês de agosto o carro da polícia veio bater à porta de dona Firmina. Logo ela se preocupou, querendo saber se algo tinha acontecido com o Zezinho, que tinha saído pra casa do Ricardinho para fazer o trabalho da escola.
- Não. O Zezinho tá bem. Agora, dona moça, ele foi preso. Roubou a loja do Manoel e este deu parte.
- Não. O Zezinho, não. (dona moça não queria acreditar e repetia inúmeras vezes) Não, não pode ser. Não pode ser.
Dona Firmina não sabia o que dizer. Apenas se lamentava: O que eu fiz meu Deus, o que eu fiz, e se perguntava o motivo para tal atitude.
Pois é, qual o motivo Zezinho? Isso realmente vale a pena? Tudo vale dona Firmina.
Tudo vale a pena, quando a vida é muito pequena.



5 comentários:

Sonhos Desconexos disse...

Puxa, Diego, tou triste agora. A realidade, mesmo que numa ficção, choca a gente.E é assim que estou. Chocada!
Isso que vc escreveu acontence muito por aí, e é por isso que choca.

Ao ler teu texto lembrei da minha mãe, da vida corrida, das labutas, das porradas da vida,da fé e do sufoco que é criar e EDUCAR, o que é mais trabalhoso e importante,três filhos.
O importante é que além de tudo isso, minha mãe é a pessoa mais feliz que eu conheço!!!!!

Fiquei realmente emocionada.

Rafaelly

Lara Medeiros disse...

a vida é assim mesmo...por isso que eu tenho a vida que levo...

e onde está o que falta da crônica que tu me mostrou?

Lara Medeiros disse...

Ai diz que tu coloca aqui a crônica.

Daiane Cristina disse...

Não sei te explicar a reação que tive ao acabar de ler o texto...
triste? sim. surpresa? sim. Mas teve algo a mais..que não saberia explicar...
ótimo texto...simples e direto.

Unknown disse...

Como diria Schopenhauer - sábias palavras, por sinal:

"Life without pain has no meaning."