terça-feira, 28 de outubro de 2008

Carta de um Suicida

Acordei um pouco amargurado essa manhã, pois todos os acontecimentos até então ocorridos na minha vida me levam a crer que sou ninguém. Ontem perdi um amigo, e várias outras coisas. Só quem perdeu fui eu. Mas agora vou esclarecer alguns pontos, para tentar compreender as atribulações da minha vida.
Não lembro (com muita tristeza) das fases da minha infância. Meus pais quando querem recordar essa fase apenas sorriem. De tristeza, gratidão, alívio, saudade, não sei... O importante é o gesto. Quando quero saber das minhas derrotas, eles choram de tristeza, dor ou gratidão, pois tudo foi superado, tudo ficou guardado em algum lugar no pretérito. Recordo que já fui igual aos outros apenas uma vez na vida. Quando senti as mesmas necessidades de alguém, pois é só nesse momento que somos iguais, nas horas de desespero, da morte, das doenças, quando somos humanos frágeis.
E o que posso dizer das pessoas que estiveram ao meu redor todo esse tempo... Mentiram, sorriram, choraram, enfim, diversos momentos perdidos na lembrança. Mas apesar de tudo fico feliz, todas eles cumpriram seu papel de chegarem e irem rapidamente. Isso é a vida. É conhecer o desconhecido, ama-lo profundamente e depois deixa-lo ir. É o curso natural de toda existência. Uma vez chorei pela perda de alguém, e lembro de ter escutado uma voz me pedindo para não desperdiçar todas as minhas lágrimas e angústias, pois esse não seria o primeiro e nem o último momento de perda da minha existência.
Hoje sou grande indefinido; meio bobo e meio adulto, já perdoei e já fui compreendido. Sou alguém que odeia violência, mas que gostaria de bater nos meus medos. Não entendo nada do que os outros dizem, acredito não ser entendido também. Mas tento viver naturalmente, nada melhor que um dia depois do outro, nada melhor que sentir a própria existência.
Nessa manhã acordei um pouco amargurado, mas antes de cometer suicídio, passei pela sala e vi o grande espelho na moldura. Olhei profundamente e fiz todas essas reflexões, sentindo a história da minha vida que passava num desses momentos que antecede a morte. Sou dependente de mim, sou preso a todos que cercam, e as necessidades da vida me fazem de instrumento para a vida dos outros. Bem, voltei para a cozinha e tomei meu café...

Nenhum comentário: