quarta-feira, 7 de maio de 2008

Perspectiva sobre a beleza: o narcisismo e a mídia

Perspectiva sobre a beleza: o narcisismo e a mídia


Antes de falarmos sobre o que muitos hoje chamam de ditadura da beleza, seria interessante fazermos uma breve reflexão introdutória sobre o tema. Quando falamos do “belo” geralmente o associamos ao “bom” e este, por sua vez, a algo que nos agrada. Partindo deste pressuposto, aquilo que nos é agradável seria, portanto, desejado por todos nós. No entanto esquecemos que o “belo” continuará a sê-lo, mesmo que não nos pertença.
O caráter da beleza que gostaríamos de analisar nesse artigo difere daquele relacionado à história da arte. Ao utilizarmos o termo narcisismo como referência à nossa reflexão, nos aproximamos do conceito de beleza - em uma manifestação mais radical - voltada ao sujeito (indivíduo) e as eventuais distorções que esta pode causar em seu comportamento ou condição psicológica. Enquanto a beleza da arte continua voltada para uma visão mais contemplativa, a mídia surge como agente primordial para os novos rumos desse “novo” narcisismo presente na sociedade de consumo.
Através de um recorte específico desses temas (narcisismo e ditadura da beleza) nos séculos XX e XXI, podemos encontrar certa ruptura no modo de ver o “belo”. Ao compararmos a beleza de vanguarda ou provocação com a beleza de consumo, observamos que, enquanto uma nova proposta de contemplação que dispensa as formas harmônicas surgia através de trabalhos de pintores como Pablo Picasso, do outro lado assistimos a uma grande espetacularização da beleza difundida pelos mass media com objetivos meramente comerciais, sob o olhar da indústria cultural.
Apesar de muitos especialistas (sociólogos, antropólogos, psicólogos) já incluírem o público masculino, o chamado metrosexual, como novos atores dessa ditadura da beleza, trataremos em nossa análise uma perspectiva voltada mais para o público feminino. De acordo com o sociólogo Edgard Morin, vivenciamos na primeira metade do século XX uma promoção de valores femininos ligados a questões como moda, narrativas romanescas, fenômeno das cover-girls e o aparecimento da imprensa sentimental. Incentivados principalmente pelas revistas, TV e cinema, a mulher aos poucos assumiu um duplo papel frente ao público: o de modelo identificador, do lado feminino e o de objeto de desejo do lado masculino. Essa grande exposição da mulher aos meios de comunicação acabou por enaltecer não somente seu tipo físico ideal (cabelo, altura, corpo) como também atributos específicos ao mesmo (cosméticos, roupas, enfeites). Em nosso trabalho não estamos desconsiderando os modelos ideais existentes anteriores ao século XX, mas estamos apenas reforçando o papel da mídia na colaboração da construção desses novos modelos.
Uma preocupação exagerada com a aparência pode gerar não somente alterações comportamentais em direção a esta procura pela aparência ideal, como também alguns distúrbios eventualmente percebidos como ansiedade, depressão, anorexia, bulimia, entre outros. Esse pensamento “corpocêntrico”, que faz com que as pessoas imaginem um corpo sem rugas, sem estrias, com um tamanho ideal de quadril, seios e peso sob medida, ganhou ainda mais adeptos, incentivados pela nova onda de cirurgias plásticas que prezam pelos resultados rápidos, bem ao ritmo de uma sociedade como a nossa.
Dessa forma, voltamos ao conceito de narcisismo em busca do olhar psicanalítico sobre tais “problemas”. Segundo Alexander Lowen, o narcisismo “indica uma perturbação da personalidade caracterizada por um investimento exagerado na imagem da própria pessoa à custa do eu”. O indivíduo narcisista é aquele que perde o contato com seu “ser” - seu corpo e seus sentidos - e encontra-se alienado quanto ao mundo exterior. É importante ressaltar que a cultura promove valores que dão base ao nosso modo de agir e ver o mundo. Quando relacionamos o narcisismo ao sujeito devemos relacioná-lo também à perspectiva cultural. Nesse caso, estamos relacionando as características do narcisismo (a valorização da imagem que procuram apresentar, o apreço material) ao indivíduo que busca esse ideal de beleza.
A partir dessa busca desenfreada por uma imagem idealizada, o indivíduo busca reconhecimento no outro, ou seja, o seu “eu” não se reconhece enquanto tal, senão através de sua imagem idealizada por outro. Segundo Paul Schilder, “nossa própria beleza não contará apenas com a imagem que temos de nós mesmos, mas também, com a que os outros constroem a nosso respeito, à qual tomaremos de volta. A imagem corporal é o resultado da vida social que temos”.
De acordo com Sigmund Freud, a única certeza que poderíamos afirmar acerca da beleza é a sua ligação com as características do objeto sexual. Para ele a beleza da figura humana tem uma relação direta com a sexualidade. Essa característica descrita por Freud, em parte, se confirma pela atual abordagem da mídia sobre determinados temas. As novelas, a indústria musical, o cinema e a imprensa marrom trabalham voltados para uma linha mais apelativa, salvo algumas exceções. No caso das novelas, apenas para citar um exemplo concreto, o enredo é trabalhado dentro de uma visão de mundo que retrata algo inimaginável para um indivíduo das classes D e E. Desde as inúmeras situações representadas (viagens ao exterior, moradias luxuosas) até as características físicas especificas a alguns personagens, o imaginário do telespectador atua de forma ativa, em caráter de identificação com aquele ideal encenado ou através do simples desejo projetado. São fatores como esses, alimentados ainda pelo marketing, que transformam essas vedetes da mídia (os olimpianos) em “acontecimentos” dignos da mesma importância de uma decisão política ou econômica.
A partir de um quadro de perda de si mesmo, diante de uma imagem fomentada por outros (em maior grau pela mídia), o individuo se apresenta ao tratamento clínico com um quadro de incompreensão em relação ao seu “eu”. A análise deverá se basear no restabelecimento do contato do individuo com seu próprio corpo a fim de reaver sentimentos reprimidos e ou transformados em mecanismos de defesa como eventuais projeções. A terapia está calcada na compreensão por parte do psicanalista, a fim de conhecer a história de seu paciente.
Quando falamos dessa ditadura da beleza é necessário destacar o lugar em que se encontram as classes mais inferiores nesse processo. Composta por um público que busca informação e entretenimento principalmente na TV, essa massa segue religiosamente alguns costumes impostos por esse veiculo desde a cor do cabelo da mocinha da novela das 8 até o figurino e as gírias mais marcantes. Segundo Adorno e Horkheimer,“os consumidores são os trabalhadores e os empregados, os lavradores e os pequenos burgueses. A produção capitalista os mantém tão bem presos em corpo e alma que eles sucumbem sem resistência ao que lhes é oferecido. Assim como os dominados sempre levaram mais a sério do que os dominadores a moral que deles recebiam. Hoje em dia as massas logradas sucumbem mais facilmente ao mito do sucesso do que os bem - sucedidos. Elas têm os desejos deles.Obstinadamente, insistem na ideologia que as escraviza”.
Obviamente que a terapia não é algo que está ao alcance de todos. Já a exposição dos modelos ideais de beleza é totalmente “democrática”.





BIBLIOGRAFIA


ADORNO, T. e HORKHEIMER, M.“Indústria Cultural: O Esclarecimento como Mistificação das Massas”. In Dialética do Esclarecimento. Rio: Jorge Zahar,1985;

LOWEN, Alexander. Narcisismo: negação do verdadeiro self. São Paulo: Editora Cultrix, 1983

MORIN, Edgard. Cultura de Massas do Século XX, volume 1: Neurose. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2005.

SCHILDER, P. A Imagem do Corpo: as energias construtivas da psique. São Paulo: Martins Fontes, 1981.

Um comentário:

Daiane Cristina disse...

nossa eu adorei esse tema...
seus artigos tão cada dia com muito mais qualidade....
e esse teu blog que eu num acho..
comenta no meu blog deixando só o nome do blog lá....Tipo assim..
"caixabarimbondo"
pq achu q eu to escrevendo errado!
bjos....
no orkut num dá mais pra eu acessar da federal entaõ....
bjos e amei mesmo esse tema da beleza!